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david Martelo *
O Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) é um
Decreto-Lei da República
Portuguesa (DL 239/99, com alterações posteriores) que, no seu
artigo 7.º, determina que cada
militar, em cerimónia pública, preste juramento de bandeira
perante a Bandeira Nacional, mediante
a fórmula seguinte:
«Juro, como português e como militar, guardar e
fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres
militares. Juro defender a minha
Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e
independência, mesmo com o
sacrifício da própria vida.»
Este juramento, de carácter individual, coloca a guarda da
Constituição e das Leis da República logo no primeiro lugar
das tarefas juradas pelos militares, o que é o mesmo que dizer que os obriga a ter os olhos e os ouvidos bem abertos para o que se
vai passando na vida pública do país.
A actividade política portuguesa vem-se caracterizando por
sucessivos sinais de que o regime democrático está
profundamente afectado por anomalias que, no seu conjunto, consubstanciam uma das mais graves crises da história de Portugal. Podem
apontar-se como sintomas de grave doença do sistema político
nacional, desde há muitos anos a esta parte, os seguintes
exemplos de todos bem conhecidos:
? O sistema partidário, colocando os partidos políticos
alternadamente no poder e na oposição, não consegue fazer
deles máquinas sérias de fiscalização, na oposição, e de aparelhos aptos a, rapidamente, tomarem conta da governação do país
quando legitimamente para tal eleitos. Deste modo, vem-se
repetindo o cenário de um partido ou uma coligação de
partidos chegar ao poder e, poucas semanas depois, declarar que a situação é muito pior do que tinham imaginado. Todavia, quando em
campanha eleitoral, atacam veementemente os partidos a quem
disputam o poder e são capazes de considerar ?um disparate?
uma medida que, passado pouco tempo, logo vão pôr em prática. Assim sendo, parece que quem está no poder consegue,
sistematicamente, esconder a realidade do país a quem está
na oposição, pelo que as eleições redundam
numa simples aposta, para não dizer numa fraude, em que as
políticas anunciadas
raramente são postas em prática.
? A Justiça tem-se destacado pela sua lentidão, pelas
obstruções que a actual legislação consente e pela
imoralidade de muitas decisões. No meio do maior escândalo nacional,
os tribunais vêm servindo, em muitos casos, para absolver a maior
parte dos casos de corrupção ? sobretudo os relacionados com
personalidades da vida política ? e tornou-se patente que,
havendo dinheiro, arranja-se um bom advogado e ele tratará de tirar todo o partido da imperfeição das nossas leis, logrando obter a
absolvição ou a muito conveniente prescrição.
? As nossas leis são imperfeitas e, na Assembleia da
República, não se vislumbram
vontades que levem a alterar o que tem vindo a permitir o
triunfo dos corruptos e a actividade política em
circunstâncias de patente incompatibilidade moral.
? A violação da Lei na acção governativa tornou-se uma prática
corrente, de que a
confiscação dos Subsídios de Férias e de Natal a uma parte dos
portugueses e a
desigualdade de sacrifícios impostos aos diversos cidadãos são
o exemplo mais forte e penalizante. E, o cenário de far west
assentou arraiais de tal feição no panorama político português que a própria governante titular da Justiça, maltratando o
princípio da separação dos poderes, admoestou
preventivamente os juízes do Tribunal Constitucional para
que tivessem tento no que iriam decidir a este respeito.
? Os assaltos a bancos, que antigamente se faziam de pistola
na mão e máscara na cara, fazem-se, agora, por dentro e por
valores nunca dantes desviados. O Banco de Portugal, onde
são pagos ordenados e reformas milionárias, alegadamente devido à elevada
qualidade dos seus servidores, fracassou miseravelmente na detecção
atempada do golpe do século verificado no BPN. Também neste
caso, a lentidão da Justiça a todos deixa perplexos. E essa
perplexidade é tanto maior quanto é evidente que o BPN foi uma criação assente em personalidades de notório passado político, muitas
delas próximas do actual PR.
? Neste, como em muitos outros casos que ainda não estão sob a
alçada da Justiça, emerge a figura do EX-MINISTRO. Ser
ministro de Portugal, nos tempos que correm, já não é o
coroar de uma carreira de meritórios serviços à causa pública. É, apenas,
uma fase transitória de recolha de informação e de
valorização pessoal perante o mundo dos negócios, em que se
trata de agradar aos que, mais tarde, os premiarão com bem remunerados empregos.
? A própria sede do poder já não será aquela que a
Constituição da República determina, porque poderes
semi-ocultos manobram nos bastidores da política, em relação promíscua com o mundo dos negócios. Para tornar o panorama ainda mais
tenebroso, descobrem-se actuações ilícitas por parte de
responsáveis dos Serviços de Informação, ligações discretas
a lojas maçónicas e, finalmente, preocupante envolvimento de figuras
destacadas do governo. A manipulação dos media e as pressões sobre
quem neles trabalha, pecado comum de todos os governos da
actual República, faz-se, agora, ameaçando com a divulgação
de pormenores da vida privada de jornalistas, o que nos permite perguntar se essa nova modalidade não terá algo a ver com um
certo relacionamento do poder com os agentes transviados dos
Serviços de Informação. E tudo isto acontece perante a
impassibilidade do poder político e, até, com a tentativa de procurar desvalorizar a gravidade da situação.
? Numa Região Autónoma, o presidente do governo regional,
figura de enorme sucesso político graças às contribuições
dos contribuintes cubanos do ?Contenente?, marimbando-se
para o cumprimento das suas obrigações constitucionais, resolve não estar presente na Assembleia Regional durante o debate de uma moção de
censura e lança as maiores diatribes sobre os seus
adversários políticos, constantemente tratados como loucos e
bandidos.
? Mergulhados numa situação gravíssima, que exigiria do
Supremo Magistrado da Nação uma atitude mobilizadora da
sociedade portuguesa, o actual PR veio lamentar-se publicamente das dificuldades que teria em pagar as suas despesas, não
parecendo aperceber-se de como estava a magoar todo o povo
português, sabedor de que S.ª Ex.ª vive com cerca de 20
ordenados mínimos por mês. Pois sucede que, por imperativo constitucional ? artigo 127.º - 3 ? a fórmula de juramento do
PR
?Juro por minha honra desempenhar fielmente as
funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República
Portuguesa?
impõe, justamente, a tarefa primária de zelar pelo respeito da
normalidade
constitucional. Com a imagem degradada de que hoje usufrui ?
cuja caracterização me abstenho de recordar ?, é legítimo
duvidar que se encontre nas condições necessárias ao desempenho de tão exigente missão.
? É muito evidente que Portugal precisa de reformas de grande
vulto. Há cerca de dois anos, uma figura prestigiada da
política portuguesa e ex-líder de um dos principais partidos
políticos, considerou que (cito de cor) ?em democracia não é possível
fazer reformas?. Seguidamente, foi mesmo ao ponto de sugerir
que ?o melhor era suspender a democracia por seis meses,
fazer as reformas, e regressar, depois, ao funcionamento democrático?. Ouvir uma pessoa responsável e com larga experiência
governativa fazer uma afirmação deste tipo só pode
significar que algo de muito grave se passa com o cumprimento da Constituição da República.
Dito isto, julgo que haverá duas hipóteses a
ponderar:
1.ª Estou redondamente enganado nas considerações que fiz,
sendo então muito
provável que a Constituição da República esteja de boa saúde e
convenientemente guardada;
2.ª Não estou (infelizmente) enganado e, então, é legítimo
perguntar como é que as Forças Armadas e os seus militares
acham que estão a cumprir a determinação legal contida no
juramento feito e procurar abrir o indispensável debate.
Granja, 04 de Junho de 2012
* - (Coronel de Infantaria Ref.)
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