Chumbada reeleição de procurador polémico
Nove membros do Conselho Superior vetam continuidade do procurador-distrital do Porto vDecisão gera mal-estar em magistrados
Publicado às 00.30
NUNO MIGUEL MAIA
(Jornal de Notícias)
foto RUI OLIVEIRA/GLOBAL IMAGENS |
Alberto Nogueira Pinto não foi reconduzido no cargo |
Pela primeira vez na história do Ministério Público, o conselho superior vetou a continuidade de um procurador-distrital no cargo. A "vítima" é Alberto Pinto Nogueira, o procurador mais polémico do MP.
Responsável máximo desde 2006 pelo MP em 72 comarcas do Norte, Pinto Nogueira teve seis votos a favor da renovação da comissão de serviço e nove contra. Em votação secreta. A proposta de eleição tinha sido apresentada, como único nome, pelo próprio procurador-geral da República, Fernando Pinto Monteiro.
PORQUÊ?
Entrevista
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Artur Machado
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Tânia Laranjo
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[JN] Cândida Almeida disse que a PJ podia ser politizada, porque tem de
responder
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perante o Poder político. Partilha da mesma opinião?
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[Alberto Pinto Nogueira] Sempre a PJ dependeu do Poder político e soube cumprir as
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suas funções. Alguns "percalços" de momento não significam, a meu ver, que a PJ
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tenha, forçosamente, de "obedecer" aos políticos. Tem autonomia, mas penso que,
com
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este director nacional, há realmente um perigo acentuado de
politização da PJ. Aí,
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Cândida Almeida parece-me que tem toda a razão.
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Hoje, o Parlamento discute a necessidade de ouvir Adelino
Salvado por causa das
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demissões na PJ/Porto. Acha que se deve avançar para uma comissão parlamentar de
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inquérito?
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O Parlamento é o lugar ideal para se esclarecer a
matéria que, quanto a mim, e
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segundo a Comunicação Social, assumiu foros inauditos. O
que sucedeu, e é de
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conhecimento público, foi que, de uma assentada, se
mudou tudo. Em democracia
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estamos todos em regime de prova e o director nacional da PJ
também. Não faz o que
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lhe apetece, ninguém, num país democrático, faz o que lhe apetece. Há regras, a
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começar pela transparência democrática e isso não sucedeu, quanto a mim, no caso de
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que fala. Agora, cabe aos deputados decidir. Mas penso que seria
bem oportuna tal
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comissão.
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Como vê as relações funcionais entre a PJ e o MP?
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Do que eu tenho conhecimento - e sei do que falo -, não há nenhuma questão entre o
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MP e a PJ, quando se trata de investigação no terreno. Os
"desentendimentos"
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publicitados enquandram-se mais a níveis superiores de uma e outra das instituições.
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Suponho que, enquanto o MP e a PJ não interiorizarem as funções diferentes que
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exercem, mas que são complementares, não prestarão o serviço que devem à
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comunidade. O MP dirige o inquérito e exerce a acção penal, a PJ investiga. São ambos
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imprescindíveis.
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Disse, no JN, que as últimas demissões na PJ provocaram um bailado de juízes. Os
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magistrados deviam sair das polícias?
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Não coloco em dúvida, como não posso colocar, a legalidade dos juízes estarem nas
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polícias. Coloco é a questão de saber se é correcto que quem, como diz a
Constituição,
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nos deve julgar, deve estar nas polícias. Há muitos anos que o professor Vital
Moreira
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vem dizendo que o lugar dos juízes é nos tribunais, fazendo Justiça. É isso que penso.
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Estas ideias aplicam-se, "mutatis mutandis" ao MP,
admitindo que este possa, de algum
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modo com mais correcção, estar a dirigir a PJ, pois se
trata de investigação criminal
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ligada, como é óbvio, ao inquérito criminal que o MP dirige. A meu
ver, a PJ deveria ser
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dirigida pela PGR, assim se acabando, definitivamente, com
atritos e prejuízos para a
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comunidade advindos de inaceitáveis desvavenças de "capelinhas".
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Como recebeu a notícia de que o CSMP decidiu
instaurar-lhe um processo de
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averiguações, pela entrevista que deu ao JN no dia 4, criticando as demissões na
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PJ/Porto?
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Suponho tratar-se de exuberância jornalística. O Conselho Superior nada me
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comunicou. Com o dr. Cunha Rodrigues, enquanto procurador-geral
da República, o MP
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conseguiu um estatuto de alta relevância na defesa da legalidade democrática, aí
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incluídos direitos tão fundamentais como a liberdade de
expressão, de opinião e de
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crítica. Essa tradição, que faz já parte do legado MP, tem vindo a ser
seguida pelo actual
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procurador-geral da República. Como seria pensável que o MP fosse, nos termos
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constitucionias, o defensor da legalidade democrática quando se trata dos outros e não
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praticasse a mesma doutrina "intra muros", com os seus
magistrados?
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Não gosta de ver os magistrados nos órgãos do futebol. Acha que deviam ser
proibidos?
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Não é uma questão de "gostar". É, quanto a dirigentes de futebol,
uma questão ética,
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como a mulher de César. Os magistrados têm direito de se associarem
igualmente no
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futebol. Acho que lhes fica mal, prejudica a função, mas nada os proibe e não sou a
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favor de proibições. Cada um decide por si, com as
necessárias consequências. Quanto
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aos órgãos da Liga e Federação, não me restam dúvidas da proibição constitucional e
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legal da sua estadia em tais organismos. Não é preciso proibir, estão proibidos, já que
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recebem segundo aqueles organismos compensações monetárias.
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Casa Pia foi o tema que dominou a agenda do último ano. O número dois do PS não foi
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pronunciado. Isso não afecta a credibilidade do sistema
judicial?
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Todos os dias arguidos acusados pelo MP não são pronunciados. O MP conforma-se, o
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processo é arquivado, não se conforma, recorre para a Relação. É assim no Estado de
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Direito. O Ministério Público não é um acusador implacável, mas órgão de Justiça.
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O que pensa do actual
PGR?
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Estou muito marcado por Cunha Rodrigues que foi procurador-geral
da República
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durante 15/16 anos. Tratava os grandes temas da Justiça: a organização judiciária, a
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independência dos tribunais, a autonomia do MP, as relações entre Justiça e
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Comunicação Social. Nunca o vi versar minudências ou mediocridades. Era visto
como a
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"face" da Justiça. Amado por muitos e odiado por
outros tantos. São assim os grandes
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homens. Não me acho com competência, nem devo, pronunciar-me sobre
o desempenho do procurador-geral da República, em exercício. A história falará por mim.
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