Manuel António Pina – Jornal de Notícias,
opinião
O que o
bispo D. Januário disse na TVI não foi, como clama o jornalismo de "soundbyte",
que "este Governo é profundamente corrupto". Disse que "há jogos atrás da
cortina, habilidades e corrupção, este Governo é profundamente corrupto nestas
atitudes a que estamos a assistir". Há uma diferença essencial. E há uma
desonestidade igualmente essencial quando se retiram da frase algumas palavras
omitindo o resto.
Por coincidência, no mesmo dia o
vice-presidente da Transparência Internacional afirmava que os envolvidos nas
privatizações da EDP e da REN devem ser chamados a responder pelo que se terá
passado "atrás da cortina". E, no dia anterior, fora noticiado que a PJ e o
DCIAP fizeram buscas nos bancos ligados a essas privatizações, não decerto por
estarem seguros de que tudo se terá passado sem as "habilidades" ou sem a
"corrupção" de que fala o bispo.
A reacção do ministro Aguiar-Branco, tomando
as dores dos "alguns" a quem D. Januário insistentemente se reporta, traiu-o:
mandou o bispo escolher entre "ser bispo (...) e ser comentador político". O
mesmo que Salazar queria que D. António Ferreira Gomes fizesse.
E imagino o que diria Aguiar-Branco se D.
Januário também tivesse, como o bispo do Porto, condenado o "financismo 'à
outrance'", o "economismo despótico", o "benefício dos grandes contra os
pequenos", a "opressão dos pobres" e o "ciclo da miséria" hoje promovidos pelo
Governo.
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